Arquitetura

O vazio estético das cidades contemporâneas

today2 de abril de 2025 3

Fundo
share close

O concreto avançou, mas o encanto ficou para trás. Na pressa de modernizar, nossas cidades se encheram de prédios espelhados, simétricos e silenciosos — enquanto as esquinas charmosas, os detalhes artesanais e as fachadas únicas da arquitetura antiga desaparecem dia após dia.

Basta caminhar por qualquer grande capital para perceber: onde antes havia casarões com azulejos pintados à mão, varandas com gradis de ferro e fachadas esculpidas com cuidado, hoje se erguem torres de vidro e concreto com aparência genérica. A paisagem urbana foi higienizada — e, com ela, boa parte da nossa história, identidade e afetividade coletiva.

De acordo com o IBGE, mais de 2 milhões de edificações antigas foram demolidas nas últimas duas décadas no Brasil, muitas sem qualquer registro formal. A substituição por empreendimentos imobiliários padronizados é vista como sinal de progresso, mas levanta uma questão urgente: estamos evoluindo ou apenas apagando o passado?

Especialistas alertam que a chamada “arquitetura sem alma” é reflexo direto de uma lógica de mercado que prioriza funcionalidade, lucro e estética neutra. O urbanista espanhol Josep Maria Montaner chama esse modelo de “genérico global”: um estilo arquitetônico que pode estar em qualquer cidade — e por isso não representa nenhuma.

Essa tendência contrasta fortemente com a arquitetura do passado, marcada por técnicas artesanais, valorização do entorno e diálogo com a cultura local. Enquanto os edifícios antigos buscavam beleza, permanência e significado, os projetos atuais tendem à eficiência e ao custo-benefício. A arte deu lugar ao cálculo. A memória foi substituída pelo marketing. O pertencimento virou um item opcional.

Mas o impacto vai além da estética. Prédios impessoais afetam diretamente nossa relação com o espaço. Ambientes frios e padronizados contribuem para o isolamento social, o desconforto psicológico e a sensação de não pertencimento — como apontam estudos do Center for Urban Design and Mental Health, de Londres, que relacionam urbanismo desumanizado à piora na saúde mental.

Em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, a verticalização desenfreada e a gentrificação estão apagando bairros inteiros. A carência de identidade nos espaços urbanos compromete a construção de vínculos, de histórias compartilhadas, de afetos urbanos. Quando a arquitetura esquece das pessoas, a cidade deixa de ser abrigo e vira apenas cenário.

Em resposta, coletivos e arquitetos independentes têm buscado resgatar a essência da arquitetura afetiva e identitária. Projetos como o Arquitetura da Gente, no Rio, e o Cidade Ativa, em São Paulo, propõem uma urbanização mais humana, que respeite a memória, a diversidade e os afetos do território.

Porque construir uma cidade vai além de levantar paredes: é criar lugares onde as pessoas queiram, de fato, viver — e não apenas existir. Onde se possa criar raízes, lembrar e pertencer.

Written by: Amplificador Ghost


0%